sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A intenção era magoá-lo!




A intenção era magoá-lo. E nem ousarei pedir desculpas porque, além de não querer, elas soariam ridículas e mais ofensivas do que minhas ações supostamente infantis.
Você mereceu. Essa é a verdade. Existe um momento em que tudo de agradável que fizemos um ao outro desaparece, e em seu lugar surge um ressentimento aniquilador que traga o passado distante e só mantém vivas as cenas finais. Aquelas cenas finais.


Tudo já passou, é certo. Mas assim como uma farta refeição mexicana, demorará a ser digerido. Enquanto o processo se completa, sua imagem invadirá minha mente como o gosto azedo de guacamole subindo pela garganta. Indigesto.


Seria lindo dizer 'Espero que você seja feliz', mas não sei se é isso que espero ou se é seu arrependimento seguido do seu rastejar: nunca omiti que o altruísmo não era uma das minhas qualidades.


Ao contrário de você, confesso meu erro em prometer sinceridade constante e não cumprir. Escondi minha raiva pelas suas derrapadas, falta de argumentos, omissões antes eventuais e então perenes. Não disse o que me aborrecia com medo de desandar as coisas entre nós, sem notar que já não existia 'entre nós', só entre mim e alguém que se esqueceu de apagar a luz ao sair para deixar evidente o abandono do recinto.


Antes que me esqueça: a maior vitória disso tudo não foi triturá-lo. Foi descobrir que não me basta viver ao lado de alguém emocionalmente surdo e cego, nutrindo-me de expectativas malogradas. Como li em algum lugar: 'Eu não chorei por você. Chorei por uma idéia que fracassava. Por uma idéia que, num minuto, parecia ter futuro'.


Mas odeio persistir nos meus erros. Se te neguei a realização de uma promessa, agora a faço valer: me esqueci de entregar este bilhete a você no último dia em que nos vimos, mas não poderia deixar de entregá-lo para sempre.


Uma das sensações mais prazerosas da existência é ver chorando alguém que nos fez sofrer.
Quanto maior foi o amor, tanto maior será a alegria mórbida de observar o outro a debater-se com sua tristeza, como um peixe pendurado pelo rabo para fora do aquário - e bem pertinho da água.


Parei de ignorar ou fingir que meu sadismo não existe: todos somos maus quando temos oportunidade (e quanto menos temerosa do pecado for nossa formação).


Não é porque um espasmo de satisfação percorre o meu corpo perante as suas lágrimas que me torno desprezível - ele ocorre tão naturalmente quanto um largo sorriso quando observo a vitória de quem amo.
Minha mão, sempre pronta pra ajudar, foi rejeitada como um pedaço de pão velho. Agora, dá tapinhas nas suas costas. E bate palmas perante o espetáculo, tão confrangedor quanto divertido.


Certamente você não é tão ruim. É só alguém que pisou na bola, como acontece com todos nós - mas nenhum dos 'todos nós' dividia a vida comigo. Não importa se tenho razão ou se meus motivos são fortes o suficiente pra dizer o que digo. Aprendi algo importante desde que nos separamos: fome e dor não se medem - cada um tem o seu limite. Passei muito tempo com o meu à beira do insuportável (por burrice minha, óbvio).


Se te desprezo tanto assim, por que perdi tempo escrevendo esta carta? Porque sei que ela conseguirá algo que eu já não conseguia: surtir algum efeito em você."
E lance o primeiro comentário moralista quem nunca (na falta de coragem de fazer) sentiu vontade de dizer algo parecido.




(Ailin Aleixo)