sábado, 4 de outubro de 2008

Saudade do picolé minissaia


Saudade.

Pra mim, não há palavra alguma no dicionário que expresse um sentimento com tanta veemência.

Saudade não é só falta, não é precisar e nem só querer de volta. É saudade. E isso significa tudo. Tudo que está entalado na garganta, preso no choro, marcado no pensamento.

A saudade pode ter quilômetros de distância ou, muitas vezes, estar separada apenas por um lençol. Ou quatro paredes. A saudade dói sem ser doença, machuca sem ter armas.

Saudade só é boa quando está no seu fim. Saudade é igual fome. É uma das melhores coisas para se matar.

Saudade do picolé minissaia, da coleção vaga-lume, da bota de chuva, do cheiro da lancheira da escola, da maçã raspadinha. Saudade. Do passado mais antigo. Ou de ontem à noite.

Do que você está com saudade? Pode vir agora. Pode vir de longe. Pode morar na sua rua. Porque tudo no mundo lembra a saudade. O que provoca a sua saudade? Saudade tem cena. Aquela quando você acena de longe e, num segundo, os olhos se enchem de lágrimas.Saudade tem música. E não precisa ser triste. E quase sempre tem cheiro. Aquele que fica no travesseiro e faz lembrar. Cheiro de loção pós-barba, bolo de chuva. Saudade tem sempre um nome. Ou não. De quem você está com saudade agora? Quem tem saudade, lembra. Tem sempre pra quem escrever. Mesmo que esse alguém não possa mais ler. A saudade quase sempre mora pra lá das nuvens. E nem avião pode alcançar. Quando você diz que sente saudade, espera ouvir um eu também. Tem saudade que não passa. Mesmo que os dias passem depressa. Tem saudade que dá pra comprar o fim. Um voucher, um crédito de celular. Bom mesmo é aquela saudade que se mata de graça. Um abraço, um pedacinho do seu picolé, um eu também.
Adoro contar saudade no relógio até ela acabar. É igual ansiedade de criança antes de abrir o seu presente. É como esperar o final de um livro. Saudade tem recordação, baú, diário. Tem pétalas de rosa espremidas no meio de um livro. Tem foto no fundo da gaveta. Tem um casaco de ombreira e um souvenir daquela última viagem na estante. Tem um restinho de bebida na garrafa. Tem dejavu. O bom da saudade é correr pra encontrar. É dar um abraço de urso. É contar os dias.Porque quem sente saudade, tem o privilégio de sentir o seu fim. Algum dia, em algum lugar.

(Miréille Almeida)