domingo, 18 de janeiro de 2009

Das pequenas grandes mudanças...


Seria um dia como todos os outros, mas foi o meu dia de arrumar a casa.


Pó e teias de aranhas subjugavam todos os meus cantos. Tralhas inúteis acumuladas a perder de vista, engolindo as portas com voracidade, a obstruir implacáveis minhas já débeis ousadias de enxergar que sim, que havia mundo além de mim... um colorido indefinível e carcomido era o triste estado de minhas paredes, ocupando por inteiro a solidão de meus cômodos, o ar pesado, quente e sufocante, que há muito tempo alimentava os meus pulmões.




Mas era o meu dia de arrumar a casa. E meu peito se encheu de uma compaixão arrependida, ao ver que ainda havia beleza jazendo sob os destroços do que um dia fora segurança e aconchego. E eu, outrora tão alheia e negligente, não mais conseguia sequer cogitar a idéia de abandoná-la, e percebi, em meio àquela deordem completa e descabida, que era chegado o momento de enfrentar o caos.




Penosa me foi a tarefa de recolher cacos e bugigangas, amontoados que estavam por todos os lados. Esvaziei os armários não sem dificuldades, me desfiz do meu velho e pesado baú de memórias, repleto de mágoas, insensatezes, rancores, frustrações - alguns tão antigos que eu nem me recordava ainda estarem ali. Feri-me, é verdade, fiz calos nas mãos, contudo, a despeito do corpo alquebrado, sorvi a certeza de me saber mais leve.


Vasculhei todos os cantos em busca de pó e teias de aranha, e vi os raios de sol entrarem tímidos, porém festivos e resolutos, através das frestas diminutas que se revelavam diante da claridade tão desejada e enfim presente. E restaurei minhas paredes rotas, gastas, e as vi ressurgirem vibrantes, imponentes, refletidas com todos os tons que se irradiavam de minhas cores nascentes. E, em um arroubo, abri todas as portas e janelas, e respirei profundamente a pureza do ar que havia banido de mim, e que agora me invadia com a benevolência lépida e impetuosa de uma correnteza.


Arranquei sem piedade as ervas daninhas que se haviam multiplicado junto aos meus muros. E até esses fiz virem abaixo - pois para coisa alguma jamais serviriam tais muros, afinal. Replantei meu jardim em um pedaço de terra que, de tão esquecido, virara terreno baldio - mas que, embora ignorado, recebeu minhas sementes e as germinou com amor de ventre materno. E me animei naquela terra, e a senti cálida de amorosa, e vi como era bonito o nascer dos girassóis... e chorei todas as lágrimas felizes e serenas que havia guardado sem saber para quê, e vi essas gotas de mim serem chuva fecunda para o novo universo que despontava diante dos meus olhos.


E embebida de um cansaço feliz, repousei placidamente o corpo sobre aquele chão tão deliciosamente meu, e me deixei ficar a apreciar a minha obra, e me permiti ser parte de tudo o que havia brotado da labuta de minha alma. Pois fora o meu dia de arrumar a casa. E, enfim era doce e reconfortante me sentir habitável.


(Flávia Brito)